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O rio

| 13 de diciembre de 2010

Se alguma vez a hora chegar, se no instante antes de irmos à viagem sem retorno junto a Avalon, a ilha da eterna mocidade, alguém nos perguntar quais foram os momentos em que vivemos a vida mais À vontade... Diria: o Minho, o Sil, o Douro, o Lima... Aqueles rios da nossa Terra, que enchem a alma duma saudade penetrante.

Se alguma vez a hora chegar, se no instante antes de irmos à viagem sem retorno junto a Avalon, a ilha da eterna mocidade, alguém nos perguntar quais foram os momentos em que vivemos a vida mais À vontade... Diria: o Minho, o Sil, o Douro, o Lima... Aqueles rios da nossa Terra, que enchem a alma duma saudade penetrante. Também o mar, o Atlântico Norte batendo nas falésias ou nos cons milenares, que guardam os segredos dos primeiros habitantes, e ainda dentro de nós o seu orgulho habita como tentando duma vez inaugurar por coragem a roubada liberdade... O mar, sim, mas hoje falaremos do rio.

Do Minho não há dúvida ser um dos meus favoritos, não pela sublime beleza, que sem dúvida resguarda: evasivo, manselinho, longínquo, como querendo trazer de vagar a mensagem de um alma muito dorida que afogara todas as suas ânsias, para logo renascer da angústia da morte superada; lamuriento e à vez em certo modo laiando-se do perdido espaço que entre nós o tempo deitou, uma vez sobre a história, e agora nos impede ser filhos duma pátria livre e irredenta...

Tem enfim o Minho essa beleza que comprime o espírito em outono e parece imensa no verão, na primavera de tons imperceptíveis, no inverno de brêtema e magia. E sempre de horizontes inalcançáveis...

Mas não por isso está gravado a fogo no meu peito, o seu espelho de antergos ritos, serenos rituais, contos que perderam a esperança de ser algum dia legado... Senão, antes, por ter inúmeras vezes percorrido as suas ribeiras e de algum modo estar já quase irmanados, na repetitiva e quotidiana cerimónia de compassar-nos a diário os pés nem sempre cansos.

A minha preferência tem a ver com chegar a um lugar muito especial e da cima dum outeiro, no banco improvisado dum claro de pedra, contemplar da vertente sul a eterna caída da tarde; algo assim como uma experiência única, intranspassável: tua e do rio. Pois o Minho e tu, eu... Temos demoradamente construído os nossos segredos, conspirado ocultas batalhas, entre ambas beiras deitados... E mesmo aprendido a franquear, com os anos, a barreira dos símbolos equivocados, adversos.

Gosto assim do Pai Minho: sol percorrendo o seu último movimento antes de definitivamente mergulhar no poente, na sua taça de ouro, como o brasão dos galegos.

Essa maravilha que só pode ser compartilhada, consigo. Mesmo só consigo: visualizar o circulo, em riba dum penedo, encher os pulmões de ledice... água fresca... E dizer com os olhos bem fechos: muita boa noite companheiro...

Logo largar amarras e de novo cada um para a sua morada, o seu habitat natural: o rio à noite... eu a estranhá-lo

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