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O despotismo bancário

| 04 de noviembre de 2010

“O medo às responsabilidades é quase maior do que o medo à morte; sucede apenas tomarmos consciência dele mais raramente”... Artur Schnitzler O Século XX tem sido um século de derrotas para a classe operária. No confronto entre capital e trabalho esta teve sempre as de perder.

“O medo às responsabilidades é quase maior do que o medo à morte; sucede apenas tomarmos consciência dele mais raramente”...

Artur Schnitzler

O Século XX tem sido um século de derrotas para a classe operária. No confronto entre capital e trabalho esta teve sempre as de perder. A falida revolução russa, a deformação estalinista, as tentativas após crise do 29 de disputar ao capital a hegemonia derivaram, com o consentimento do mesmo capital, nos fascismos italiano, espanhol e o nazismo alemão... Após rematada a II Guerra Mundial, os pactos da CIA com as máfias italianas impediram a toma do poder local à esquerda comunista; a criação do Estado Previdência por medo à aliança das classes trabalhadoras com a União Soviética, desmobilizou a capacidade do trabalho de disputar ao capital o controlo da sociedade. Na América Latina instituíam-se ditaduras, a exemplo do que passara na Europa de pré-guerra para travar o avanço da força de trabalho e das massas camponesas.

Uma vez despejado o perigo vermelho, as ditaduras foram banidas da América Latina, pois significavam um entrave nacionalista para o avanço das multinacionais, daí surgir à ideia de um “continente democrático”. O Estado Previdência correria a mesma sorte uma vez derrotada a União Soviética na Guerra Fria, mas as cúpulas sindicais ficaram engajadas totalmente ao sistema, já tão modificado que não poderia responder aos interesses dos trabalhadores, pois o Estado já não exercia na nova sociedade uma ponte entre o capital e o trabalho, regulando os mercados e impedido que o sector privado devora-se o publico.

O Estado do bem-estar perdera todo o sentido uma vez que o capital já não tinha de frente a ameaça soviética, mas para conseguir essa derrota foi necessário criar um mecanismo gerador de fluxos económicos tais que criassem uma capacidade militar e tecnológica, impossível de alcançar pelos soviéticos. Foi assim como se desenvolveram os princípios do “capitalismo financeiro”, começando pela dolarização mundial decretada pela Administração Nixon em 1973, ao acordarem com a OPEP só vender o seu crude em dólares, os famosos petrodólares; este mecanismo propulsou o famoso circuito de criação e ampliação do dinheiro através da divida: a Administração americana pedia emprestada certa quantidade de dólares à Reserva Federal, em troca a administração fornecia à Reserva Federal notas cor-de-rosa da dívida americana (bónus do Tesouro Americano), a Reserva Federal por sua vez vendia esta dívida aos bancos centrais de todo o mundo, recebia em troca de novos dólares frescos, fechando o circulo. Este “almoço gratuito” permitia aos EUA a manutenção do seu gigantesco complexo militar industrial e das perto de 800 bases do US army espalhadas por todo o mundo. Mas um dado de interesse fundamental nos vai permitir saber a que interesses representava o poder norte-americano: em 1913 os doze bancos regionais mais fortes dos EUA criam a Reserva Federal, um organismo privado dependente dos citados bancos e que hoje em dia controla o sistema monetário americano; a partir dessa data as famílias mais poderosas da América fizeram-se com o poder do país, deixando o cidadão fora dos planos decisivos a respeito da economia.

Mais tarde, em aliança com as famílias mais poderosas da Europa, idearam em 1944, nos acordos da Bretton Woods, o sistema organizativo que ia dirigir o mundo.

Ultrapassado este sistema nos dias de hoje, um novo acomodo com os atores BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e o poder Alemão, deveria ser posto em cena, para que um novo reparto mundial, mais equitativo com as novas potências e mais acorde com as novas mudanças que se avizinham, possa ser possível.

Apesar disso, na atualidade o poder continua a estar centrado no Atlântico Norte e nas famílias Ocidentais que detêm o capital corporativo e bancário. Estas famílias alimentam-se, sobretudo, do maná bolsista; se tomarmos como certos os dados de que dos 3 triliões de dólares que cada dia circulam pelo mundo saltitando de região em região, tão só 2% é utilizado diretamente no comércio ou em investimentos produtivos na economia a nível global, teremos uma evidência clara disto.

Quando em 2008 este maná saltou pelos ares, as poderosas elites financeiras pressionaram os governos para as salvar do terramoto. Mais de um trilião de dólares foram investidos para salvar a banca mundial de ocidente, provocando estes resgates e outras ajudas ao capital, com ânimo de retomar o crescimento, a cumulação insuportável de défice por parte dos Estados. Agora, uma vez que os Estados estão sem capacidade de continuar a bombear liquidez ao sistema, os mesmos poderes decidem que o Estado deve enfraquecer a sua dívida a conta do trabalho. Quer dizer, que as pessoas que achegaram das suas poupanças os fluxos precisos para resgatar os bancos, uma vez revigorados estes, devem agora voltar a pagar para resgatar o Estado, ao tempo que o Estado uma vez sem energia para continuar a achegar lucros ao mundo dos negócios, deverá em sucessivas etapas entregar o pouco que conserve de público para que estas famílias possam continuar a expandir o seu jogo, poder e domínios.

Tal e como está agora a questão, nos termos que de facto está instalada, o chamado “capitalismo financeiro” fica superado e o capital entra numa nova etapa que bem poderíamos chamar de “Despotismo Bancário”, e cuja máxima bem poderia ser: “Tudo contra o povo, graças ao adormecimento do povo”.

E é que os povos que estão completamente desorientados, já foram alienados, primeiro desde fins dos 60 com as drogas e rock and roll, e mais tarde por um método muito mais evoluído, e com menos efeitos secundários, a TV como arma química, destinada ao entorpecimento do cérebro das massas.

Desorientados, desidentificados desde que foram arrancados do seu meio natural e amontoados em grandes cidades, como simples objetos de consumo, num processo secular que chega agora a seu zénite, os povos do mundo perderam a iniciativa, sendo relegados a meros observadores, roubando-lhes o protagonismo histórico de outras horas. Vencidos e desorganizados, os trabalhadores ocidentais não possuem a mínima referencia clara para situar o seu inimigo dentro do centro estratégico de poder, que deveria ser alvo das suas reivindicações e lutas.

O “Despotismo Bancário” conseguiu na União Europeia criar um tecido encoberto perante o qual as populações não são capazes de vislumbrar nitidamente os centros reais de onde emanam as ordens a ser cumpridas, sem questionar, enquanto a religião do Deus Mercado se apodera de todas as nossas poupanças.

Após 8 de Maio de 2010, o Banco Central Europeu, em conivência com o poder bancário alemão, francês e apoiado pelo poder sueco (este último fora da eurozona), tirou aos Estados-Nação quaisquer resquícios de soberania real que lhes pudesse restar. Ao perder o controlo da sua própria moeda em favor do euro e agora ao perder a capacidade de intervenção sobre as finanças e os seus respectivos mercados nacionais de valores, os Estados da Europa converteram-se em amáveis gestores do poder Central de Bruxelas; se a isto acrescentarmos que já os Estados-nação não podiam ditar a política económica, senão que lhes vinha escrita desde o centro de poder mundial via FMI, OMC, União Europeia... vemos com certeza que o período de esgotamento do Estado-Nação, a nível mundial, como poder efetivo na história da humanidade chegou ao seu fim.

Através de todo o século passado as elites globais aperfeiçoaram todos os domínios possíveis, desde o pensamento (mediante fundações e instituições de engenharia social) a alimentação (mediante o controlo das sementes e desenvolvimento das suas patentes), passando pelo controlo e venda da energia, a cultura... Com o objetivo definido de maniatar as populações do mundo às necessidades do sistema.

Agora, nesta nova etapa do que denominaremos “Despotismo Bancário”, todas as velhas e novas armas de submetimento na mão do capital serão usadas contra as tentativas de revolta dos oprimidos e marginalizados.

Neste sentido, a estrutura europeia achega a estas elites um poder incrível, para isolar e derrotar qualquer tentativa de confronto, como está a ocorrer na Grécia.

As massas gregas, como fizeram anteriormente as islandesas ou bálticas, atoladas no paradigma atrasado do Estado-Nação, lançaram-se às ruas para pelejar, corpo a corpo com os seus próprios governantes, enquanto a burocracia obscura da União, ali ao coberto no seus Olympus de Bruxelas e Estrasburgo, nem sequer sentem a agónica respiração das massas de cidadãos, que a cada mês que passa vêem com assombro os seus bolsos mais enfraquecidos.

Pelo contrário, as direções sindicais mais pendentes dos seus patrimónios e pactos globais com os governos de turno, continuam a trilhar os velhos caminhos, de sobra conhecidos pelo capital, previsíveis e fáceis portanto de ser esmagados, sem apenas perdas para os grandes.

Urge portanto ultrapassar os velhos paradigmas e entrar num confronto mais global, com um poder bancário totalitário, que trabalha a nível Europeu e mundial. Lutas isoladas como as anteriormente referidas só podem dar a vitória aos senhores da banca. Precisam-se novas formas organizativas e planos muito mais inovadores e abrangentes; mobilizações a nível europeu, planeamento de menos greves e mais atos reivindicativos não violentos que golpeiem com contundência o estômago do sistema, por onde o mesmo se nutre: Lutas organizadas a nível europeu que poderiam ter um programa progressivo, que iria incrementando-se segundo o nível de agressão económica ao trabalho e aos cidadãos, desde suspensão, por horas, ou por dias de todo o tipo consumo a nível global europeu, até retirada parcial no espaço euro de fundos de pensão privados, venda parcial de ações por parte de todos os trabalhadores em dias sinalizados, venda de obrigações do Estado. Revolta pacifica contra o seu meio de propaganda por excelência, a TV: desligando a mesma, por horas ou dias. Medidas de selecionar tão-só aquela programação que dê voz certa às reivindicações cívicas, e ofereça imagens reais dos problemas das classes mais pobres, obrigando à mídia a escutar os gritos da rua... Tudo de forma pacífica e muito organizada.

O cidadão tornou-se, aliás, sujeito ativo, desde que dele e do seu consumo dependem o poder transnacional e a recuperação económica... Se ele tem de consumir, ele deve exigir consumo responsável, ele deve exigir salários dignos, superação da armadilha do crédito e endividamento familiar, e criação de postos de trabalho para sobreviver dignamente.

Mudar estes conceitos levará ainda muito tempo e muitos sofrimentos, mas afinal não resta outro caminho, focar as lutas a nível que se dão, ultrapassar os velhos sindicatos e partidos políticos, que já não entraram no novo rumo civilizatório ao qual se encaminha a humanidade, é preciso para criar uma nova democracia participativa.

Estamos perante uma mudança global de civilização, o velho sistema económico que organizava o planeta chegou à sua velhice, já não é valido para defrontar os novos desafios da humanidade, nem para impulsionar a nova revolução tecnológica...

O futuro há de chegar e de nós dependerá sermos atores dele ou resignados espectadores passivos, utilizados e depois despejados pelo esgoto da história.

De modo que como cidadãos temos uma grande responsabilidade e esta responsabilidade tem a ver com o passado que lutaram os nossos avos, com o nosso presente e o futuro dos nossos filhos...

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